Obra de Joaquim Correia propõe retrato musical da presença lusa na Índia
O investigador Joaquim Correia propõe-se fazer o "retrato musical" dos últimos anos da presença portuguesa na Índia, na sua obra "Última Dança em Goa", recentemente publicada.
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Cultura Investigador
O autor salienta o papel do catolicismo na região de Goa, designadamente, das escolas jesuítas, empenhadas no ensino da Língua Portuguesa através da arte da música, e afirma que a "ligação dos goeses católicos à música manifestou-se não apenas no folclore luso-oriental, com danças mestiças como o 'mandó', o 'dulpod' e o 'deckni', mas também na própria vivência cultural em todo o chamado Estado da Índia Portuguesa, onde sons e instrumentos distintos da tradição indiana pululavam nas festas, bailes e rituais religiosos".
"Não foi por acaso que tantos músicos goeses, principalmente ligados ao jazz, foram tão importantes em Dar es Salam, Karachi e principalmente Bombaim, a partir dos anos 30 do século XX", defende o autor.
Para o investigador João Carlos Calixto, que assina o prefácio da obra, Joaquim Correia apresenta "um levantamento bastante exaustivo de legados e histórias que há muito importava contar", na área da música.
Sublinhando o interesse desta obra, João Carlos Callixto refere a "falta de bibliografia que se torna preocupante quando nos debruçamos sobre o lugar da Música na sociedade portuguesa do século XX".
"O problema é de facto mais vasto, uma vez que muitos dos trabalhos existentes assentam na consulta de fontes secundárias e não coevas, esquecendo ou recusando os materiais originais", alerta o investigador, referindo "a existência de erros crassos" em muitas obras do meio académico e noutras fora dele, e questiona: "Como poderemos transmitir e produzir novo conhecimento se mal conhecemos aquilo sobre o que escrevemos?...".
João Carlos Callixto chama à atenção para o facto de muitos dos nomes que gravaram discos, nas décadas de 1940 e 1950, "dos quais, até aos dias de hoje, pouco mais nos chegou do que algum 'rumor' sobre o respetivo percurso artístico musical".
Há uma ou até muitas histórias da música por contar, como enfatiza Callixto, que, no prefácio, escreve: "Pensemos no impacto causado na cultura local pela chegada dos ritmos elétricos, a partir da segunda metade dos anos [19]50, ou no lugar das emissões de rádio, mesmo depois da anexação definitiva do Estado Português da Índia. Ou, por outro lado, de como [a ditadura do] Estado Novo preferia 'ignorar' esses mesmos acontecimentos dessa e doutras formas, mantendo um deputado na Assembleia Nacional, em representação do território ou divulgando música, na então metrópole, que incluía a riqueza da Índia como uma parcela do 'folclore' português espalhado pelo mundo".
"São estas e são também muitas outras as histórias e a História que Joaquim Correia" relata nesta obra, "trazendo aos dias de hoje a música de Goa de sempre", remata João Carlos Calixto.
Joaquim Correia, aproveitando "a vitalidade das inúmeras orquestras que preenchiam muitos dos rituais de divertimento/celebração/religiosidade da comunidade católica", revela "elementos culturais específicos dos goeses" que ocupavam os fins de semana a assistir peças de "Tiatr", uma espécie de teatro de revista com sotaque indiano.
O autor salienta nesta obra que a emissora local "estava na vanguarda das rádios mais ouvidas na região".
O investigador sistematiza a música que se ouvia e dançava nos bailes, em Goa, nas festas em clubes ou no adro da igreja, feiras ou festividades religiosas, nas casas e a trasnmitida pela rádio.
Joaquim Correia, por seu turno, aponta Macau e Goa como os territórios, no Oriente, onde "mais se nota a presença do Ocidente, muito particularmente a portuguesa", referindo que "ambos são lugares estranhos, misturados, numa combinação quase excêntrica pela singularidade, onde de muros seculares brota cultura na forma de festivais, celebrações e outras manifestações artísticas variadas".
Joaquim Correia salienta que, aos cerca de 500 anos de vida em comum entre portugueses e goeses, somam-se "os milhares que antecederam a chegada dos portugueses, e essa 'amálgama criativa' descobre-se, bastando passear nas ruas absorvendo alegorias intemporais".
O autor afirma que o que mais lhe interessou, do ponto de vista de objeto de estudo, foi "a chamada música 'mainstream' das festas e bailes, a que fazia dançar à volta das mesas ou nos jardins até de madrugada!".
"Convém realçar que, no nosso levantamento, a música lusitana (e também o folclore luso-indiano) surge apenas como um dos géneros de música tocado, ouvido e dançado, entre muitos outros sons do mundo: jazz, América Latina, francesa, americana, inglesa, indiana, etc.".
Apresentando Goa como "um abraço de culturas que não passa tanto pela mistura no sangue mas antes pela partilha do dia a dia", o autor escreve que "é exótica para os indianos e para os ocidentais", mas "para os portugueses [é] menos", e dá conta de "um reacender do interesse pelas raízes portuguesas, que se manifesta de formas diversas", neste Estado Autónomo da Índia.
A obra inclui um texto do jornalista e investigador Luís Pinheiro de Almeida sobre a chamada "invasão hippie", um outro da etnomusicóloga Susana Sardo sobre a "Enciclopédia da Música e dos Músicos de Goa", e um posfácio de Edgar Valles, antigo colaborardor da revista Seara Nova.
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