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"O último lugar é muito pesado, sempre. Mas não me senti triste"

O festival da Eurovisão deu-lhe "os 15 minutos" que Isaura quer consolidar com trabalho e o 'Human', o seu álbum de estreia, é exemplo disso. Mergulhe na música e na vida da artista que hoje é a entrevistada do Vozes ao Minuto.

"O último lugar é muito pesado, sempre. Mas não me senti triste"
Notícias ao Minuto

10:00 - 19/06/18 por Tiago Miguel Simões

Cultura Isaura

Acabada de participar num dos maiores festivais de música do mundo, a Eurovisão, Isaura tem novidades para os seus fãs 'mais antigos' e para os recentemente conquistados. 'Human' é o primeiro álbum da artista e acabou por ficar marcado pela morte da avó da mesma. Nesta entrevista, Isaura aborda vários temas sem tabús, desde o início do sonho de uma carreira na música, à loucura da Eurovisão, à injustiça da classificação, passando pelo trabalho full-time que a cantora teima em não largar, nada ficou sem resposta. 

Como é que começou a sua paixão pela música? 

Parece um bocado cliché esta resposta, mas é mesmo desde sempre. Desde miúda que me lembro que os meus amigos pediam bonecos e bonecas e eu só pedia instrumentos musicais, era aquilo que me fascinava. Não sei qual era o encanto que eu via, mas havia ali qualquer coisa que me fascinava. Mais tarde, vim a perceber que o que me fascinava era criar qualquer coisa. [Além disso] gostava muito de escrever percebi que o escrever e a guitarra podiam estar combinados e então comecei a aprender guitarra aos 11 [mas] o meu foco nunca foi ser guitarrista. O que eu queria mesmo era usar aquilo para fazer coisas minhas. 

A vontade de compor nasce pela vontade de expor as letras? 

É um bocadinho isso, eu gostava tanto de escrever como de cantar e percebi que isto tudo combinado era muito giro. 

Entrei no meu curso [Biologia Molecular] e percebi logo que nunca na vida ia estar num laboratório

E quando é que a música passou de um sonho para um projeto real? 

Andava no 12ºano - e também fazia teatro -  e muitas pessoas diziam-me que eu devia ir para o conservatório. Como sempre fui muito racional, muito consciente, achava que ia ser muito difícil. Sentia que não tinha bases nem experiência de vida para tomar uma decisão dessas. E como tinha muita curiosidade pela ciência, independentemente de saber que a música me trazia um conforto e uma realização completamente diferente, sabia que essa era uma escolha que talvez me trouxesse mais maturidade para depois fazer o que quer que fosse que decidisse. Fui para a faculdade, mas sempre a tocar guitarra, a tocar nos bares, a fazer músicas, entrei no meu curso [Biologia Molecular] e percebi logo que nunca na vida ia estar num laboratório, isto não tem nada haver comigo. Mas senti que tinha de aprender aquilo. Mas depois houve um momento em que estava no segundo ano do curso e estava sentada num café a estudar para os exames de recurso e vi na televisão o anúncio do casting da Operação Triunfo. Acho que foi aí que percebi ‘eu não consigo não fazer nada quanto a isso’. Inscrevi-me no momento. 

Não conseguia viver com ideia de pensar ‘e se eu tivesse arriscado’? 

Sim. Tirava muita satisfação de fazer canções só para mim e para os meus amigos e não editar nada, mas houve ali um momento que comecei a achar que era cobardia minha, que era eu que não queria fazer nada em relação ao assunto. Depois ganhei coragem, fui à Operação Triunfo e ai percebi ‘eu preciso disto na minha vida’. Mas tive de encontrar um equilíbrio onde sentisse que não estava a colocar na música - isso era o que me fazia confusão - o ter de viver da música. Queria fazer música a um nível profissional mas se calhar não queria viver da música. Não queria colocar essa pressão à partida. Acho que encontrei, nesta minhas dúvidas, a resposta. Hoje tenho um trabalho full-time, sustento-me com esse trabalho, vivo desse trabalho. 

Que trabalho é esse? 

Faço marketing digital ligado à ciência, depois fiz o mestrado em comunicação, marketing, [e] depois encontrei esse sítio onde gosto mesmo do que faço. Consigo fazer música e fazer só aquilo que eu gosto, sem estar preocupada se tenho concertos se não tenho, se calhar esta canção não vai passar na rádio… 

No mundo ideal gostava de viver da música a fazer exatamente o que eu gosto, mas as coisas não são assim tão fáceis em Portugal, porque somos muito pequeninos

O facto de não depender do dinheiro da música dá-lhe outra liberdade? 

Completamente, as canções que faço não são o mais mainstream para Portugal, portanto não poderia estar a fazer as coisas tal e qual como as faço. Então encontrei esse equilíbrio. No mundo ideal eu gostava de viver da música a fazer exatamente o que eu gosto, mas as coisas não são assim tão fáceis em Portugal, porque somos muito pequeninos. 

Mas como arranja energia, tempo e espaço criativo para conciliar a música com um trabalho full-time? 

Não é facil, tenho alturas em que me custa mais do que noutras. [Mas] tenho a sorte de ter um trabalho full-time mas num escritório virtual, ou seja, não tenho de estar fisicamente num sítio. Tenho a flexibilidade de organizar os meus horários e fazer o meu trabalho. Às vezes não é fácil, chegas ao fim do dia cansado. A música também é um ciclo, há fases com muito trabalho e outras com menos, mas tem a ver com a tua força de vontade, o teu foco. Eu sei que daqui a um ano ou dois não consigo manter este ritmo. Se calhar aí vou ter de tomar outro tipo de opções, mas enquanto eu conseguir, enquanto me sentir bem neste equilíbrio, para mim resolve-me muitos problemas. 

E para quão perto vê esse passo? 

Vai depender de ter mais trabalho e a desenvolver mais projetos como songwriter, como produtora, se calhar aí as coisas ficam mais confortáveis, mais fáceis. Na minha música, enquanto Isaura, não quero pôr essa pressão, porque vai estragar o que mais gosto na música. Prefiro mil vezes ter o dobro do trabalho, ter quase dois full-time, que é o que tenho, mas sentir-me realizada com as duas coisas do que não [ter nada].

Lança agora o seu primeiro álbum, o ‘Human’. Quais são as maiores diferenças para o EP ‘Serendipity’ que saiu em 2015?

Acho que a maturidade. Acho que se nota na forma como arrisco fazer coisas que são um bocadinho diferentes. Quando fiz o EP, como fazia canções em casa, com a guitarra, era muito o que eu imaginava. Para mim, ter percurssões muito fortes ou mexerem-me muito na voz, com auto-tune, ou com um efeito esquisito, não conseguia ouvir nada disso, fazia-me muita impressão. Não lidava bem com essas coisas e acho que essa maturidade é a coisa que noto mais. Ter muito menos medo de fazer coisas diferentes, é como sentisse o EP já está agora posso fazer coisas um bocado diferentes. 

Este era o álbum que queria fazer? 

Mesmo assim nunca é, porque nós imaginamos sempre coisas… mas sim estou contente com o que está aqui, tendo em conta que é um álbum de estreia que já pressupõe existir o ‘Serendipity’. Reflete muito o que estava a ouvir, é uma sonoridade que não é estanque, entra ali nos anos 80 mais leves e depois começa a mergulhar no Pop e na eletrónica e depois no synth-pop e nos ritmos do hip-hop e acho que era aquilo que queria mostrar a nível de sonoridades, o tipo de métrica que eu ouço… 

Mencionou os estilos que estava a ouvir. Quais são as maiores influências que tem tido e que possam ter moldado a sonoridade do álbum? 

Na altura do 'Human' ouvi muito Lorde, o Melodrama, que é um dos meus álbuns preferidos de 2017. Ouvi muito o álbum do Khalid, 'American Teen', ouvi muito Drake também e depois continuei a ouvir aquelas coisas que já ouvia. Acho que comecei a ser mais atenta ao Pop eletrónico, às vezes dou por mim a ficar fascinada, mais na fase final do álbum, ainda que na fase final do álbum não tenha propriamente esse tipo de sons. Comecei a dar por mim a tomar atenção ao Pop mesmo, por exemplo, Charlie Puth e Shawn Mendes, porque é que eles fazem isto assim… 

Tenho a sorte de ter uma voz esquisita, um timbre particular

Sente que encontrou a sua sonoridade enquanto Isaura ou isso é algo que não é estanque? 

Acho que não. Eu própria durante este processo tive de me limitar, do género, não posso ouvir este álbum, já me está a apetecer ouvir coisas diferentes. Sou muito assim. Se calhar o próximo trabalho já vais ser um bocadinho diferente. Tenho a sorte de ter uma voz esquisita, um timbre particular. Há coisas na minha sonoridade que são muito estanques, mas mais ligadas à voz e à métrica que ao som, à produção. 

Porquê a escolha do ProfJam como única colaboração no álbum? 

Cheguei aquela fase do álbum e senti que precisava ali de alguém. Precisava mesmo. Na minha cabeça só conseguia ouvir ali um rap, não conseguia ouvir mais nada ali. Queria alguém que fosse um rapper, mas que ao mesmo tempo fosse melódico e que não fosse só debitar palavras. A verdade é que pensei no ProfJam, convidei-o, ele aceitou e quase não tive de lhe dizer nada sobre o que era a canção, o que pretendia ali. Acho que ele percebeu que isto tinha muito a ver com o facto de ter perdido uma pessoa, ele na vida dele também tem uma história assim, e quando me começou a mandar a letra, pensei, 'acertei em cheio'. Ele está a dizer exatamente o que eu gostava de dizer se conseguisse rappar. 

E de uma forma mais parecida com a sua do que com a dele… 

Nesta canção quis usar mesmo à bruta o autotune, que até é uma coisa que eu não costumo gostar tanto assim à partida, mas acho que ficou muito, muito fixe. Ele traz uma força à música que é aquilo que eu imaginava. É uma das minha músicas favoritas do álbum. 

Não consigo fazer música com coisas inventadas, então fui fazendo as pazes com a ideia que ia mostrar isto às pessoas. Aliás, tive de fazer essas pazes quando o ‘Jardim’ vai para a Eurovisão

Falou de ter perdido uma pessoa importante para ti. Sente que isso marcou muito o álbum? Como se deu a mudança de direção do álbum depois de ter perdido a sua avó? 

Foi complicado porque eu quando comecei a compor o álbum estava na minha, não me apetecia falar de coisas muito complexas, não me apetecia falar de um grande amor, ou de ter perdido um grande amor, apetecia-me falar com o facto de estar super preocupada com o facto de gerir o tempo. (...) Toda a primeira metade do álbum é sobre isso. E de repente quando perco a minha avó é óbvio que o meu estado de espírito mudou completamente. Apetecia-me lá escrever sobre o tempo. Para já, passei dois ou três meses que não me apetecia escrever nada. E depois quando comecei a ter vontade de escrever, era natural escrever sobre a minha avó e sobre como se lida com isso, nas suas várias fases. Tens a canção que percebe o que aconteceu, a canção que diz que isso não é verdade… todas as fases estão ali representadas. E pensei o que é que eu faço? Deito fora todas as canções que fiz? Ou assumo que esta é a minha história e dividi as coisas no lado A e no lado B. Por isso, é que estava a dizer que o álbum não é aquilo que imaginei. Tinha imaginado outra coisa qualquer, mas a verdade é que tens de fazer o melhor que consegues, com o que te acontece. Daí vem o nome Human, és uma pessoa, não consegues controlar nada. Foi difícil fazer perceber como ia encaixar as histórias todas ali, inclusive como me ia sentir a pôr ali histórias tão importantes e pessoais. Mas também :não consigo fazer música com coisas inventadas, então fui fazendo as pazes com a ideia que ia mostrar isto às pessoas. Aliás, tive de fazer essas pazes quando o ‘Jardim’ vai para a Eurovisão. Não há coisa mais escarrapachada na frente das pessoas que aquilo. Aí fiz as pazes com o facto de estar a falar da minha avó e consegui meter na cabeça que isso até podia ser uma homenagem bonita que lhe estava a fazer. 

Acho que canção ficou bem entregue e eu fiquei mais protegida, mais resguardada, de cantar uma coisa tão pessoal

Falou na Eurovisão, como surgiu a ideia de participar no Festival RTP da Canção?

Foi em agosto, o Henrique Amaro convidou-me para participar como compositora. O Henrique Amaro é aquela pessoa que quando eu lancei a minha primeira canção de todas a ‘Useless’ liga-me e dá-me a oportunidade de fazer um EP na NOS Discos sem me conhecer de lado nenhum. Portanto, esta pessoa estava-me a convidar, nunca na vida ia dizer que não. Pensei até pode ser também uma oportunidade gira, porque nunca deixei de escrever em português, só escolhi, como Isaura, mostrar outras canções. Pensei que se calhar era uma boa forma de me mostrar como compositora. Aceitar compor foi instantâneo. Depois a questão foi, vou eu cantar, convido outra pessoa, como é que vou fazer isto? Pelo desenrolar como eu escrevi, compus e produzi, senti que precisava de uma pessoa para trazer um input criativo. Se outra pessoa tivesse produzido, possivelmente até tinha sentido que devia ir eu cantar. Mas como foi tão natural assim, pensei que precisava de outra pessoa e, quase no final dos prazos, vi um vídeo da Cláudia e pensei 'esta é a voz certa para a canção'. Se não a tivesse encontrado, teria ido eu. Acho que canção ficou bem entregue e eu fiquei mais protegida, mais resguardada, de cantar uma coisa tão pessoal. E fui só fazer os back-vocals, porque entendi que a canção precisava de back-vocals e era-me estranho pensar numa pessoa que não conhecia de lado nenhum ao lado da Cláudia a cantar aquilo, é a razão pela qual fui eu. Nas regras dizia que tudo o que fosse voz tinha de ser ao vivo, então ou era um estranho ou era eu. Preferi ir eu. 

No Festival da Canção não foram logo escolhidas. O Diogo Piçarra ganhou, depois foi desclassificado de forma polémica. Como encarou essa situação, ainda para mais já tendo colaborado com ele numa música? 

Nunca pensei ir ao Festival para ganhar. Eu quis aceitar o convite, porque como compositora achava que era fixe. Claro que nunca iria ao Festival com uma coisa qualquer. Dei o meu melhor, fiz uma canção de que orgulhasse, uma canção bonita, mas nunca pensei que tinha a mínima hipótese de ganhar. Eu estava sempre a dizer ao Diogo (Piçarra) 'tu vais ganhar, mas eu vou lá e vou dar-te luta'. Estava sempre a gozar com ele. O Diogo tem a popularidade, a música dele era muito bonita, independentemente de tudo o que tenha acontecido à volta da mesma, o Diogo tem aquela forma de estar que cativa, acho que era um excelente representante de Portugal na Eurovisão. Portanto, eu gozava com ele e dizia-lhe eu vou-te dar luta, mas obviamente tu vais ganhar. Quando isso tudo aconteceu, na realidade, até fiquei um bocadinho triste, porque o ambiente era muito fixe e a competição estava a ser muito saudável e muito gira e, de repente, quando acontece, uma coisa deste género, é assim um murro no estômago para toda a gente. Foi desconfortável. Mas acabou por correr tudo bem e o Diogo tem uma carreira já consolidada, muitas cartas dadas do que sabe fazer e isso acabou por ser posto de parte. Acabei por me manifestar na altura, porque independentemente da canção ser plágio ou não, nós não temos de estar a julgar o assunto. De repente as pessoas ficaram obcecadas com o assunto, isso há-de-se resolver. Mas essa parte não foi a parte bonita, tenho pena que isso tenha acontecido.

Acha que mancha a história do Festival?

Não era preciso. Claramente não acho que tenha acontecido, com má intenção, ou má fé de parte de ninguém, muito menos do Diogo. Foi chato que isso tenha acontecido. Acabamos por nos pôr a nós ali, num sítio, não só a nós, nós chegamos à final e qualquer pessoa, entre nós, a Catarina e o Peu, qualquer um podia ter ganho. Fomos nós, porque foi o voto do público etc… Mas fiquei muito entusiasmada porque chegamos ao Festival e haviam várias canções boas.

E qual o balanço que faz de toda a experiência Eurovisão, um festival com exposição a nível mundial?

Quando penso nisso ainda fico fascinada. A produção, ver como eles fazem as coisas, a forma como está organizado, é um espetáculo que tem 200 milhões de visualizações, o melhor Super Bowl tem 120 milhões, que é o da Lady Gaga, é o melhor evento de música. Portanto, ter a oportunidade de estar ali, ver como eles trabalham, poder cantar num palco daqueles, ao lado de artistas que são gigantes nos países deles, é uma experiência que te dá calo. Não só enquanto profissional, mas enquanto pessoa. Essa parte foi muito boa, acho mesmo que é aquilo que vou guardar com mais carinho, é ter tido oportunidade de ter uma experiência assim.

E o facto de ter sido em Portugal?

Por ser em Portugal é claro que nós éramos as meninas de toda a gente. Nós saíamos do palco e eram só portugueses a vir ter connosco.

O último lugar é muito pesado, sempre. Mas nem por um segundo me senti triste ou desapontada, porque sabia à partida que ia ser muito difícil

Sentiu mais apoio ou críticas da parte do público português?

Confesso que cheguei aquela altura e desliguei um bocadinho, também para gerir um bocadinho a nossa concentração. Agora, lá, as pessoas com quem nos cruzávamos foram sempre muito queridas. Também senti esse carinho dos estrangeiros, nas entrevistas que nos faziam, nós passávamos dias e dias com jornalistas e vários sítios, sempre muito queridos connosco, super otimistas, essa parte foi muito positiva.

O que aconteceu para Portugal ficar em último? Acha que foi injusto?

O último lugar é muito pesado, sempre. Mas nem por um segundo me senti triste ou desapontada, porque sabia à partida que ia ser muito difícil. Para além disso, as nossas atuações correram sempre bem. Eu ficava triste era se, por algum motivo, tivesse corrido mal, as pessoas iam-nos ver sem ser no nosso melhor. Portanto, sinto mesmo que foi missão cumprida, o resto são aqueles fatores que não podes controlar. Tens de chegar lá, dar o teu melhor e o resto não dá para controlar. Acho que Israel e o Chipre fizeram um trabalho fortíssimo e nós ganhámos no ano passado. Se calhar já havia muito Portugal, Portugal, Portugal, e este ano isso não ia acontecer. Eu fui aprendendo muitas coisas sobre a cultura Eurovisão e há uma expressão que é o síndrome do país vencedor, que eu ouvia muitas vezes falar. Basicamente quer dizer que geralmente o país que ganha no ano a seguinte fica muito mal classificado e se calhar faz sentido, porque durante um ano só ouvias falar de Portugal e do Salvador e da melhor classificação de sempre. Isso não ia voltar a acontecer, até porque os outros países não iam querer dar a atenção a Portugal. Eu acreditava e acredito que, pelas canções e atuações todas, nós devíamos ter tido uma classificação um bocadinho mais acima na tabela, mas isso é só a minha opinião. Eu só consigo ver as coisas do meu prisma, se calhar não estou a ver bem as coisas. Sinto-me orgulhosa da nossa participação.

Acha que lhe abriu algumas portas?

Não sei, ainda não passou assim muito tempo para conseguir esse balanço. O meu trabalho é tão de nicho e fora desse nicho muitas pessoas ouviram falar da Isaura, isso é bom. Mais pessoas ficaram a conhecer o meu trabalho e se virem qualquer coisa minha até vão ter curiosidade para ver. Mas acho que o trabalho tem que ser construído, podes ter um momento de exposição mas se depois não construires o teu trabalho, ele vai desaparecer em 15 minutos. Se calhar há 5% dessas pessoas que me conheceram na Eurovisão que vão ter interesse no meu trabalho e vão continuar a seguir-me, mas o resto vai passar. São circuitos e momentos muito diferentes.

Vai ter um concerto no Super Bock Super Rock. Como recebeu esse convite, ansiosa?

Fiquei mesmo contente, eu toquei lá há três anos, quando comecei este projeto, toquei naquele palco. Agora vou lá com o álbum e na altura tinha acabado de fazer um EP muito pequenino e nem fazia ideia se ia ter oportunidade de voltar a editar qualquer coisa. Estou cheia de orgulho porque vou tocar na mesma slot que tocou Slow J no ano passado, tenho um respeito gigante por ele. Portanto, vou assim com aquela pressãozinha mas boa. É um sítio espetácular para mostrares um trabalho novo.

Já deu alguns concertos depois da Eurovisão?

Já.

Quais são as maiores diferenças a nível do público?

A maior diferença é que estão sempre à espera que cante o ‘Jardim’. Às vezes pedem-me ou ficam assim na expetativa.

E canta?

Quando tiver espaço, não tiver slots tão pequeninas hei-de cantar. Não posso é cantar sempre, senão não tenho espaço para cantar outras coisas. Há ali pessoas novas que me conheceram na Eurovisão e vêm-me dizer que gostaram muito e isso deixa-me contente.

E na rua as pessoas abordam-na, sentiu alguma mudança devida a toda a exposição que teve?

Continuo a fazer a minha vida normalmente. No final do Festival da Canção não notei muito, mas na altura da Eurovisão aí sim. Aí de repente nós éramos as representantes de Portugal e, repara, se eu senti, imagina a Cláudia. Ainda estava um bocado resguardada, não era miúda do cabelo cor-de-rosa. Os miúdos e os velhotes eram os que mais vinham falar comigo que é muito engraçado. Sempre coisas boas a dizer. Há pessoas que pensam ‘fogo, ficou em último lugar’ e sentem-se mal em vir falar comigo, mas dizem-me ‘o lugar não conta para nada, gostámos muito da canção’.

Os portugueses são mais críticos na internet?

Nunca ao vivo me vieram dizer uma coisa má. Mas também se pensarem mal de mim não vêm falar comigo. Na internet as pessoas dizem muitas coisas sem pensar muito bem, dizem só. Porque às vezes se calhar é fácil esquecermos que aquilo chega ao outro lado e que há uma pessoa do outro lado. Quando estou com as pessoas as pessoas são muito queridas. A internet também faz com que haja muitos mal entendidos e muitas coisas que tu não devias ler, porque são comentários que não deviam chegar a ti, mas chegam.

Tem o ProfJam no álbúm, mencionou o Slow-J, como vê a evolução do panorâma musical português? Parece haver cada vez mais jovens artistas, muitos deles autodidatas, a conseguir afirmar-se e a ter público e trabalho…

Acho que tem tudo a ver com a época em que nós vivemos que é tu com um computador e um microfone e uma placa de som fazes o que tu quiseres. Adorava aos 15 anos puder ter o que só tive aos 25 anos. Tu consegues fazer um álbum muita bem feito se souberes mexer em tudo o que o Logic Pro tem lá dentro. Já conheci miúdos de 17, 18 anos que produzem a sério. Que são grandes beat makers. Estamos a viver numa altura em que tens YouTube e tutoriais. Não sabes fazer alguma coisa? Vê um tutorial. De certeza que vais encontrar a resposta. Há 10 ou 15 anos tinhas uma guitarra e tinhas de ir a um amigo qualquer que tivesse um estúdio muita manhoso para gravares qualquer coisa. Acho mesmo que a música em Portugal está de muito boa saúde. E o pessoal mais novo que surge é sempre uma lufada de ar fresco que surge.

Como se deu a entrada para Universal, sendo que hoje cada vez menos os artistas precisam de uma label que suporte o seu trabalho. A tendência parece ser optar pela independência…

Sim, mas no meu caso acho que tem haver com aqueles que são os teus objetivos e a fase em que tu achas que estás. Eu estive dois anos e pouco como artista independente, fiz um EP e toquei dois anos na estrada de forma independente. Mas chega ali um momento que o ser independente pressupõe que tinhas uma capacidade para investir em ti. Cheguei a um momento que arcar com esse investimento podia sacrificar a qualidade do projeto e que estava numa fase em que sentia que tinha de aprender com pessoas experientes e perceber até que ponto me podia aproximar um bocadinho mais do mainstream. Eu nunca fui uma artista alternativa, nem POP , estava ali no meio. É o sítio onde me sinto bem. 

Este álbum é todo cantado em inglês. É uma decisão para manter ou podemos esperar ouvir Isaura em português?

Acredito que sim. 

Sente que o inglês se adequa melhor à sua sonoridade?

É exatamente isso. Na sonoridade que escolhi até aqui sem dúvida nenhuma que eu me sinto muito melhor e que para mim faz sentido o inglês. Agora também é o que falamos, eu não imagino que fique nesta sonoridade para sempre. Acredito que noutras variantes daquilo que eu posso ser que exista o lugar da Isaura em português. Para mim não fazia ter um álbum com músicas misturadas. Isto era inglês e pronto. O 'Jardim' aguçou-me imenso o apetite. 

Os seus fãs mais antigos já lhe disseram que está a fugir daquilo que fazia antes?

A maioria, eu diria 95% das pessoas dizem-me que isto sou eu. Eu lembro-me quando lancei a "I Need Ya" que as pessoas iam pensar que eu estava maluca, eu achava que ia ser super diferente. E de repente lancei aquilo e as pessoas diziam-me que é ligeiramente diferente mas que era eu. As pessoas transmitem-me muito mais segurança do que aquilo que eu às vezes tenho.

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