'Canções de Ida e Volta' reúne repertório ibero-americano
O álbum 'Canções de Ida e Volta' reúne gravações de 1911 a 1956 que testemunham as trocas musicais e culturais no espaço ibero-americano, constituindo "uma pequena amostra da muito importante coleção de fonogramas históricos do Museu Fado".
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Cultura Álbum
A afirmação é do musicólogo Pedro Félix, da Universidade Nova de Lisboa, no texto do 'booklet' que acompanha o CD, com a chancela daquele museu lisboeta, e que inclui, entre outros, nomes como Amália Rodrigues, Joaquim Pimentel e Francisco José.
Pedro Félix, que tem investigado este conjunto de fonogramas, afirma que este álbum demonstra como, "se olharmos o [oceano] Atlântico como fronteira, cometemos um erro", pois testemunha "uma complexa rede de relações que envolvem noções de géneros musicais, estilos, línguas, expressões, empresas [de edição fonográfica e de espetáculos], espetáculos de variedades, teatro musical, filmes e programas de rádio".
O CD disponibiliza digitalizações de fonogramas em disco de goma-laca, gravados a 78 rotações, que foram sujeitos a um tratamento arquivístico e restauro. O investigador salienta, no mesmo texto, que cada fonograma foi sujeito a uma tecnologia diferente, pois o conjunto inclui discos gravados com sistemas, técnicas e tecnologias diferentes, e daí que varie "substancialmente", "o som que hoje é possível obter".
"Nem todos apresentam um som que os sistemas modernos de reprodução nos habituaram", adverte Pedro Félix, referindo que o almejado pela equipa foi "recuperar um eventual 'som de época', como se reproduzido em máquinas contemporâneas aos discos".
O CD é constituído por 22 faixas, dividas em quatro partes, sendo a última faixa, 'Vários Países', gravada em 1956, por Raul Mota, acompanhado pela orquestra Tejada, sob a direção de Ricardo Tejada, ilustrativa do desafio da equipa que produziu o CD: "Considerar criticamente as tipologias e os géneros 'ibero-americanos' que nos ensinaram a naturalizar", escreve Pedro Félix, referindo-se ao cruzamento de influências musicais entre os dois lados do Atlântico.
O 'booklet' do CD abre com uma dissertação do musicólogo Rui Vieira Nery, distinguido em janeiro último com o Prémio Universidade de Coimbra 2018, intitulada 'Yes, nós somos latinos', na qual dá conta das permutas culturais e musicais, nomeadamente entre a Península Ibérica e a América Latina, e contextualiza os intérpretes e gravações.
O musicólogo refere-se a esta antologia como "cantigas trocadas" no seio do triângulo Espanha/Portugal/América Latina, em que se destaca Amália Rodrigues (1920-1999), "que, mal começou a sua carreira internacional, fez questão de integrar no seu repertório canções que ia ouvindo que visitava ou que simplesmente apanhava nos filmes a que assistia desde que -- nas suas palavras -- de alguma maneira lhe 'soubessem a fado'".
De Amália, o CD inclui o samba 'Ai, Ai, Ai, Meu Irmão', que gravou em 1952, acompanhada pelo Conjunto de Guitarras de Raul Nery, o baião 'El Negro Zumbón' (1953), com o Conjunto de Mário Simões, e a copla 'Ojos Verdes' (1945), acompanhada por Santos Moreira, à viola.
O CD inclui também, entre outros, o cantor Bahiano, de seu nome de registo Manuel Pedro dos Santos, que gravou, na melodia do fado menor, o "Fado do Solado Português", Delfina Vítor, Isabel Costa, Carlos Santos, Ester de Abreu, Maria da Graça, Isaura Garcia, Olivinha de Carvalho, Joel Lemos e Pedro Vargas, que gravou 'Lisboa Antiga', em 1951.
Afirma Vieira Nery que a proposta deste CD "é um olhar sobre a forma como um arquivo histórico-musical português nos pode ajudar a compreender, a partir do ponto de vista de observação de Portugal, este processo alargado de trocas musicais no seio do universo ibero-americano da primeira metade do século XX".
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