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Roubo de um boné da GNR. Assim nasceu o cortejo da Queima de Coimbra

A Queima das Fitas mudou muito ao longo de quase 100 anos. Hoje, ninguém urina para as cinzas das fitas e o espumante foi trocado pela cerveja, no cortejo, que teve origem no roubo de um boné da GNR.

Roubo de um boné da GNR. Assim nasceu o cortejo da Queima de Coimbra
Notícias ao Minuto

07:15 - 05/05/16 por Lusa

País Tradições

As origens do evento remontam ao século XIX, quando os estudantes de Direito queimavam as suas fitas de quartanistas [quarto ano], mas a verdadeira festa, com cortejo, concertos e outras atividades, surgiu apenas em 1919, aponta Carlos Serra, do Museu Académico de Coimbra.

Durante o século XIX, os estudantes agarravam nas fitas com que atavam apontamentos e sebentas e queimavam-nas, "quase em família", no Largo da Feira, indo depois até à Porta Férrea, onde enterravam as cinzas e urinavam para cima destas, relata Alberto Sousa Lamy no livro "A Academia de Coimbra 1537-1980".

No entanto, aponta Carlos Serra, a festa da Queima das Fitas começa a desenhar-se com o Centenário da Sebenta, em 1899, num evento que os estudantes de Coimbra decidiram criar para "gozar com a febre dos centenários" que se fazia sentir perto da viragem do século em Portugal.

Em 1899, os estudantes conseguiram ter graça, com diversas atividades, algumas delas jocosas, num empreendimento que até teve direito à criação de "uma esquadra no Mondego", chefiada pelo "almirante" Rato, um barqueiro do rio, contou à agência Lusa Carlos Serra.

As festas académicas passaram a ter uma ligação à cidade, mas a 27 de maio de 1913 surgiram "problemas entre futricas e academistas", com recurso ao soco, pau e tiro, refere Alberto Sousa Lamy.

Apesar de a Academia ter saído vencida, um estudante roubou o boné de um tenente da GNR, com os academistas a gritar "olha o boné".

No ano seguinte, ainda sem Queima das Fitas, os estudantes decidiram comemorar a 27 de maio o roubo do boné, surgindo novo conflito, com tiros à mistura.

Em 1919, surge, por iniciativa do 4.º ano jurídico, a primeira festa apelidada de Queima das Fitas, em que todas as faculdades celebram o evento, com um cortejo com 18 carros de cavalos a 27 de maio - dia do "olha o boné".

Durante cerca de 30 anos, a data do roubo do boné foi quase sempre o dia do cortejo, numa festa que contava com fogo-de-artifício, teatro e música e que se foi alterando e adicionando eventos ao seu programa, como o sarau académico (em 1927), garraiada no Coliseu de Santa Clara (1929), inclusão de cartolas e bengalas (1932), venda das pastas (1932), baile (1933) e a serenata monumental na Sé Velha (1950).

Com o luto académico de 1969, a festa foi interrompida, não tendo sido retomada logo após o 25 de Abril, por ser considerada "elitista" e "reacionária", explica o historiador Rui Bebiano.

De acordo com Bebiano, alguns setores estudantis, "conotados com a direita", garantiram o regresso em 1980. Mas apenas entre 1983 e 1984, com a adesão da União de Estudantes Comunistas às festividades, é que a Queima ganhou "um apoio mais abrangente", que se mantém até hoje, sublinha.

Desde 1919, a Queima foi sofrendo alterações. Hoje, o cortejo realiza-se ao domingo; a cerveja é a bebida de eleição ao contrário do espumante e do champanhe; de 18 carros no cortejo são agora perto de 100; a sátira está cada vez menos presente, mas o espírito boémio e o ambiente de festa mantém-se, como confirmam os relatos de escritores que passaram por Coimbra.

José Régio, em 1921, falava de uma "esparsa e bárbara sinfonia", com filas de janelas repletas de gente, a cartazes com "piadas aos lentes" e sátira à vida universitária. Branquinho da Fonseca, em 1930, encontrou "carripanas de todos os géneros e feitios", numa "apoteose pagã", em que os "ódios" políticos desapareciam.

Já Vergílio Ferreira, em 1940, encontrava um "barulho ensurdecedor de tambores e berros", em que "a malta se embebia de vinho" e de champanhe, e gritava "viva a pândega" e "viva eu".

No entanto, o autor de "Aparição" admitia que os "senhores doutores", mesmo bêbedos, "faziam inveja".

"Entretanto os heróis iam caindo, pouco a pouco, no campo de batalha". Uns "a ressonar", outros "inânimes de braços bamboleantes".

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