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Doutrina oficial alterada mas mantém orgulho no passado

O investigador José Manuel Sobral deteta uma "modificação radical" na doutrina oficial do Estado após o 25 de Abril, em particular na sequência da descolonização, apesar de o novo discurso ter mantido o "orgulho nos feitos de outrora".

Doutrina oficial alterada mas mantém orgulho no passado
Notícias ao Minuto

10:01 - 14/04/14 por Lusa

País 25 Abril

"Há uma grande diferença entre a ideia de nacionalismo oficial antes e depois do 25 de Abril", disse em entrevista à Lusa o investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, a propósito dos 40 anos da Revolução dos Cravos.

"O que aconteceu antes e depois do 25 de Abril é que continuamos a ser portugueses, mas houve duas coisas que se modificaram. Aquela que teve uma modificação muito radical logo a seguir ao 25 de Abril, porque estava ligada diretamente às questões de natureza política, foi a ideologia ou doutrina oficial do Estado português", disse.

Para o investigador, natural de Viseu, licenciado em História e doutorado em Antropologia, a doutrina oficial projetava até 1974 um Portugal "não circunscrito à Europa", que abrangia todas as designadas "províncias ultramarinas" e que no plano constitucional "proclamava a igualdade de todos os habitantes de Portugal independentemente da sua cor ou raça".

Um aspeto que será enfatizado após a Segunda Guerra Mundial, quando se generalizou a descolonização à escala mundial, "e muito enfatizado quando o Estado português teve de enfrentar essa descolonização a partir da Índia e depois com as guerras em África".

O autor de "Portugal, Portugueses: uma identidade nacional", publicado em 2012 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, recordou que essa doutrina já estava incluída na Constituição liberal de 1822, na qual referiu não ter detetado qualquer cláusula "exclusionária".

O texto de 1822 determinava que "todos os que se reconheciam portugueses fora de Portugal seriam portugueses", disse.

A representação de um Portugal "pluricontinental" mas que contrastava com uma prática diária de discriminação "entre os brancos e todos os outros" será de imediato questionada após o 25 de Abril de 1974, que também ocorreu para encontrar uma solução política para a questão colonial.

"A solução foi encontrada entre 1974 e 1975 e essa representação de um Portugal pluricontinental acabou", assinalou.

"Surgiu uma outra representação oficial de Portugal que ficou até aos nossos dias, um país essencialmente europeu. Logo a seguir ao 25 de Abril, começa a construir-se a adesão de Portugal na Europa, que não é apenas a adesão institucional de Portugal à atual União Europeia, mas é também uma reconfiguração simbólica de Portugal como país europeu".

"Mas sem deixar de haver pessoas que insistiam na dimensão atlântica e histórica de Portugal", referiu.

Esta reconfiguração terá a sua expressão com o processo de adesão à Europa, apesar de no discurso oficial se manter muita da anterior abordagem face à identidade portuguesa.

"É evidente que deixou de haver o orgulho imperial e a ênfase imperial nos feitos de outrora, mas não deixou de haver orgulho nos feitos de outrora", afirmou.

Os Camões e "Os Lusíadas", a chegada à Índia, a glorificação de aventura marítima portuguesa mantêm-se assim nos textos, discursos e cerimónias comemorativas.

"Não por acaso, aquele que é o momento emblemático da modernidade portuguesa ligada à Europa, cosmopolita, liberta do seu passado, é feito sob o signo da comemoração dos 500 anos da chegada de Vasco da Gama à Índia, que é a Expo 98. Não por acaso ela é localizada junto ao rio Tejo, de onde tinham partido as caravelas", sublinhou o investigador.

Um evento em que também é representada uma "arquitetura cosmopolita", como sugere.

"Era um pouco como 'estamos em Portugal, são os 500 anos, mas ao mesmo tempo temos a mesma arquitetura cosmopolita que não está ligada especificamente a Portugal'. Se havia um pavilhão de Portugal também havia a estação do Calatrava, cuja arquitetura não reivindicava nenhuma marca especificamente localizada", disse.

José Manuel Sobral destacou um outro marco desta abordagem, quando Portugal assumiu a presidência semestral da União Europeia em 1992, a primeira vez após a adesão em 1986.

"Temos o Centro Cultural de Belém, bem elucidativo, e que é construído e colocado junto a um espaço carregado de simbolismo como é Belém", disse.

Envolvido num novo projeto sobre o surgimento da cozinha nacional portuguesa numa perspetiva comparada, o consumo e as suas dimensões económicas, o investigador sustenta que esta abordagem "nacionalista identitária" se mantém até hoje.

"Todos os Estados, e todos os Estados-nações têm uma qualquer narrativa da sua identidade onde se articula o passado e o presente. A de Portugal é esta, e que lhe permite ostentar uma diferença e uma especificidade própria face aos outros países europeus", acrescentou.

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