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Gorongosa enfrenta a fome depois da guerra

Lume brando e panelas vazias denunciam marcas de fome na região da Gorongosa, centro de Moçambique, e Augusta Vernaice larga pedaços de manga verde num prato pobre sob o olhar dos filhos, após mergulhar tubérculos silvestres para o jantar.

Gorongosa enfrenta a fome depois da guerra
Notícias ao Minuto

10:27 - 23/11/14 por Lusa

Mundo Moçambique

"Estamos a experimentar uma fome nunca antes vista", afirma à Lusa Augusta Vernaice, 48 anos, descrevendo o sofrimento de noites a fio com roncos no estômago, mas também embalando um sorriso de esperança perante gotas de chuva, que podem pressagiar mudanças no seu futuro, depois de a guerra a ter afugentado de casa para onde entretanto voltou sem quase nada para comer.

Na sequência da fraca produção agrícola, devido à crise político-militar - que opôs durante 17 meses forças do Governo e o braço armado da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), principal partido de oposição -, cerca de 10 mil pessoas de cinco zonas de Vunduzi, interior de Gorongosa, província de Sofala, enfrentam uma fome severa.

Milhares de pessoas, a maioria camponeses, deixaram as zonas do interior de Gorongosa, considerado o "celeiro de Sofala", em outubro de 2013, num período crucial para agricultura de sequeiro, fugindo dos confrontos militares na região, que só terminaram a 05 de setembro com o acordo de cessação de hostilidades entre o Governo e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama.

"Muitas pessoas fugiram da guerra na época da sementeira e sem terem como assistir as machambas [quintas]", disse à Lusa Filipe Celestino, com uma enxada e grãos de milho nas mãos, lançando as sementes à terra para superar a fome que atribui sem dúvida à guerra.

"Agora é só comer manga para conseguir capinar", diz.

Das mangas verdes se faz uma papa, misturado com sal, e raras vezes com açúcar, enquanto as maduras apenas servem de sobremesa ou para o intervalo das refeições, segundo Abdul Vernaice, "enganando o estômago" dos deslocados que regressam às suas casas ou daqueles que permaneceram e resistiram ao conflito na região.

A população também está a recorrer a tubérculos silvestres (munhanha, ndia, nhamufo, ngó) e, para reduzir o perigo de algumas espécies venenosas, mergulham-nos na água por 24 horas, secam-nos ao sol e por fim são moídos no pilão para se fazer papas.

Junto de um cesto de pães, agora um luxo em Vunduzi, Zarco Ticha, que regressou na semana passada para a região, um ano depois de fugir dos confrontos, disse que o saque da produção, do gado e das aves pelas partes beligerantes complicou ainda mais a equação alimentar das pessoas que voltam vazias dos campos de deslocados e sem nada como moeda de troca.

"A fome está mal e é pior aqui em Vunduzi. As pessoas estão a comer mangas verdes e tubérculos. As mangas verdes são cozinhadas e levam sal, porque só comendo maduras não dão força para resistir", explica à Lusa, Zarco Ticha, um habitante de Vunduzi, uma região fantasma durante a crise militar e que timidamente voltou a receber de volta os seus habitantes.

Dados do Governo local minimizam o impacto da fome e indicam que foram produzidas 298 mil toneladas de alimentos das 304 planificadas na temporada agrária 2013/14 (outubro a maio), uma queda de seis mil toneladas baseada no igual número de pessoas deslocadas das zonas de guerra, amplamente produtivas, e desvalorizados pela triplicação do preço de cereais.

Viola Caravina, chefe do posto administrativo de Vunduzi, assegurou à Lusa que o Governo está a par da grave crise alimentar na região e estão em curso esforços para resolver a situação.

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