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Catalunha: O 'Estatut', ponto zero desta onda pró-independentista

O veto do Tribunal Constitucional (TC) espanhol a 14 artigos centrais do Estatuto de Autonomia da Catalunha, em junho de 2010, marcou, para muitos, o 'ponto zero', de inflexão, na crescente onda independentista catalã.

Catalunha: O 'Estatut', ponto zero desta onda pró-independentista
Notícias ao Minuto

11:08 - 31/10/14 por Lusa

Mundo Barcelona

E a primeira grande manifestação, dias depois, que reuniu centenas de milhares de pessoas no centro de Barcelona, converteu-se na semente de um movimento de contestação a Madrid e de defesa do direito a decidir que hoje abrange uma crescente parte da população.

"Temos que recuar a 2010 e ao 'Estatut'. Esse foi o grande golpe. Quando o TC rejeita o estatuto as pessoas tomaram isto como uma afronta direta", disse à Lusa André Pirralha, um académico português que dá aulas de ciência política na Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona.

Pirralha recorda que o sentimento de crítica a Madrid se consolidou porque muitos na Catalunha consideraram que o processo tinha sido "conduzido como deve ser, pelo parlamento e por referendo" e que está era a forma de resolver o "problema de arquitetura institucional" em Espanha.

"Ao ser rejeitado houve um aumento enorme no sentimento de identificação nacional na Catalunha. Quando essa decisão foi conhecida, muito mais pessoas passaram a associar a sua posição política com a sua identidade cultural, a ser mais catalão que espanhol", disse.

"E a partir daí as coisas foram diferentes. E Artur Mas (presidente regional) que é um grande político, um grande estratega politico, melhor que a média em Espanha, percebeu o processo", afirmou.

Carmen Forcadell presidente da Assembleia Nacional Catalã (ANC), principal motor da sociedade civil catalã a favor da consulta na Catalunha, concorda.

"Creio que a maioria dos catalães mudou depois da sentença do Estatuto da Catalunha. Foi uma mudança muito importante", disse à Lusa.

O texto, recorda, foi votado pelo parlamento regional, referendado e "até recortado pelas cortes espanholas" que não só "cortaram muitíssimo o estatuto, mas riram-se e vangloriaram-se de o terem feito".

"E depois, como se isso não bastasse e em algo insólito, o texto é recorrido ao Tribunal Constitucional que diz que o documento não é válido. Muitos deram-se conta que com aquela sentença não era possível o entendimento com Espanha", afirmou à Lusa.

Também Miquel Buch, presidente da Associação Catalã de Municípios (ACM),se refere ao Estatuto e ao veto do TC, considerando que esse foi o primeiro de vários episódios que polarizaram as relações.

Uma situação agravada pelo "sentimento de discriminação", pelo tema económico e pelo que considera ser a perceção de "agressões" como os catalães olham para as decisões tomadas pelo Governo central em Madrid.

O 'golpe' assume especialmente importância porque todo o processo de preparação da nova lei base regional foi um dos 'partos' políticos mais demorados da Catalunha, tendo começado a ser desenhado em 2003 com o chamado Pacto de Tinell, o berço do Governo a três e do compromisso de reformar o estatuo.

Esses trabalhos começam em fevereiro de 2004 e só a 30 de setembro de 2005, após 19 meses de debate parlamentar, o parlamento regional aprova o 'Estatut' com o apoio de todas as forças políticas menos o Partido Popular (PP).

Dois meses, a 2 de novembro de 2005, o estatuto inicia a sua tramitação no Congresso de Deputados em Madrid, havendo no ano seguinte encontros entre o presidente do Governo espanhol, José Luiz Rodriguez Zapatero e o então líder da Convergência e União (CiU), Artr Mas sobre esta matéria.

O texto é aprovado, com vários cortes, no Congresso de Deputados em Madrid a 30 de março de 2006 e a luz verde das Cortes, com o 'sim' do Senado, surge dois meses depois, a 10 de maio.

O texto é submetido a referendo na Catallunha a 18 de junho - e aprovado com 72,9% dos votos - sendo que mais de metade dos catalães (quase 51%) ficou em casa.

A 31 de julho o Partido Popular (PP) apresenta o seu recurso no Tribunal Constitucional (TC), no primeiro de sete recursos apresentados contra o texto, que formalmente entre em vigor a 9 de agosto de 2006.

A 28 de setembro de 2006 o TC admite o recurso do PP, demorando depois quase 3 anos e meio - até julho de 2010 - até tomar a sua polémica decisão - 6 votos contra 4 - de chumbar alguns dos artigos centrais do documento.

"Não existe um tribunal que possa julgar os nossos sentimentos nem a nossa vontade. Somos uma nação. Não renunciaremos à plena satisfação das aspirações de auto governo contidas no Estatuto que os catalães aprovaram", dizia, em reação, o então presidente catalão José Montilla.

O sentimento gerado na Catalunha com a decisão pode medir-se até numa decisão sem precedentes tomada pelos principais jornais da Catalunha que publicaram um editorial conjunto em que defendem o Estatuto.

"Caso seja necessário a solidariedade catalã voltará a articular a legitima resposta de uma sociedade responsável", lia-se no texto intitulado "A dignidade da Catalunha".

No final desse ano, depois de votar nas eleições antecipadas, que marcaram o arranque do primeiro mandato do atual presidente do Governo regional, Artur, o politólogo catalão Albert Trollols explicava à Lusa o sentimento que se vivia.

Mais que um voto, dizia, essas eleições serviriam para expressar um claro descontentamento pelo governo de Madrid devido à sentença do Estatuto da Catalunha, que reforçou o voto independentista".

Há quem diga, na Catalunha, que esse sentimento não fez mais que crescer desde aí.

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