"Se a Primeira Guerra Mundial não for encarada como uma lição não deve ser celebrada. É evidente que temos de respeitar todas as pessoas que perderam a vida ou que viram as vidas destruídas de formas diferentes. Mas, se não formos capazes de vermos uma qualquer lição, os soldados, e todos os outros, morreram em vão", disse Peter Englund, escritor, jornalista e secretário permanente da Academia Sueca.
Peter Englund relatou quase todos os dias do conflito (1914-1918) através de uma técnica original em que cruza excertos dos diários, impressões escritas e correspondência de 19 intervenientes, homens e mulheres, de várias idades, nacionalidades e em vários pontos do mundo em guerra.
"O mais difícil foi chegar à ideia. Não é difícil encontrar fontes para a Primeira Guerra Mundial porque há muito material. O mais complicado foi a ideia. Depois tive de encontrar um grupo de pessoas que tenha participado", explicou o autor sobre a forma como conta a história do conflito ao longo do livro.
Englund disse que ‘A beleza e a Dor da Guerra’ é uma "espécie de experiência" que pretende tornear o estilo das grandes narrativas, mostrando um acontecimento brutal "visto de baixo" na forma de histórias de vida individuais, "como se fossem pequenas biografias" que depois transmitem o quadro geral dos acontecimentos.
"Eu sou historiador. A Primeira Guerra foi provavelmente o episódio mais importante da História da Europa desde a queda do Império Romano. Foi um dos acontecimentos mais importantes em dois mil anos de História e que não mudou apenas a vida das pessoas, mas também a sociedade no seu todo, para o bem e para o mal", sublinhou o escritor, vincando a intenção de deixar registadas as mais íntimas impressões daqueles que participaram nos grandes momentos da guerra.
A maior parte dos relatos situa-se na Europa, mas também no continente africano e no Médio Oriente, transmitindo os momentos de mudança que se perpetuam até hoje por causa do conflito através do olhar dos soldados, das enfermeiras e mesmo de crianças que assistiram, de formas diferentes, aos horrores da guerra.
"Estou convencido de que é absolutamente impossível a um ser humano descrever os sentimentos e os pensamentos que o atravessam durante o seu batismo de fogo. Se dissesse que tive medo, mentiria. Não, era uma mistura indescritível de alegria, temor, curiosidade, apatia e ... prazer de combater" (página 283), escreve Richard Stumpf, alemão de 22 anos, no dia 31 de maio de 1916, a propósito do início da batalha naval entre alemães e britânicos ao largo da costa da Dinamarca.
"Algumas pessoas no livro gostam da guerra, mas a parte mais dramática para mim acontece quando o ceticismo começa a emergir, de várias formas mas sobretudo quando muitas destas pessoas começaram a perceber que afinal a guerra não era aquilo que pensavam que iria ser", afirmou o autor no livro, editado em Portugal pela Bertrand.
"Afinal esta não é a guerra para acabar com todas as guerras", disse Peter Englund, que terminou o livro com uma carta do cabo alemão Adolf Hitler, que recorda o dia 10 de novembro de 1918 em que, hospitalizado, decidiu começar a fazer política.
De acordo com o escritor, na Primeira Guerra Mundial verificam-se acontecimentos "tenebrosos" e muito maios complexos do que os que aconteceram durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) porque "há dilemas" que fizeram desaparecer impérios e todo um estilo de vida com ideologias a surgirem do caos, com novas economias planificadas e com Estados a controlarem a propaganda.
De alguma maneira, segundo o autor, a ideia de um projeto europeu também vem da Primeira Guerra Mundial, assim como as atuais estruturas políticas do continente, apesar da "intoxicação nacionalista" que se verificou entre 1914 e 1918.