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"Não havia como jornalistas serem contra o regime na Guerra Colonial"

Muitos jornalistas portugueses, através de persistência, "combateram" a censura durante a Guerra Colonial (1961/74), mas alguns deles acabaram por "ceder" porque "não havia forma de ser contra" o regime, disse à agência Lusa uma investigadora portuguesa.

"Não havia como jornalistas serem contra o regime na Guerra Colonial"
Notícias ao Minuto

12:12 - 24/05/16 por Lusa

Cultura Investigador

Sílvia Torres falava à Lusa a propósito do livro 'O Jornalismo Português e a Guerra Colonial', por si coordenado e que é lançado hoje em Lisboa, primeiro tomo, de 431 páginas, de um trabalho que, para já como tese de doutoramento, pensa vir a alargar, uma vez que a área "ainda está pouco estudada".

Questionada sobre se houve censura durante a cobertura da Guerra Colonial - Angola, Guiné e Moçambique -, Sílvia Torres afirmou não ter quaisquer dúvidas de que tal aconteceu, salientando que o "lápis azul" vinha do lado civil (PIDE, a antiga polícia política) e militar.

"Censura havia muita e os jornalistas tinham de saber contorná-la. Alguns sabiam que aquele censor, se calhar, percebia mais sobre determinado assunto e então a notícia não podia ir para lá. Ou que o outro tinha menos competências e não percebia deste assunto e iria deixar passar. Havia táticas para lidar com a censura, mas, de facto, a guerra não foi tão noticiada como deveria ter sido por causa da censura", disse.

Para Sílvia Torres, natural de Mogofores (Aveiro, centro de Portugal), onde nasceu a 01 de junho de 1982, não havia nem bom nem mau jornalismo, mas sim um "persistente", porque repórteres de guerra sabiam que a censura iria cortar os textos, razão pela qual "tentavam arranjar estratégias e não desistiam".

"Alguns desistiram, mas houve muitos jornalistas que não e mesmo assim conseguiram dar algumas informações, escrevendo nas entrelinhas", afirmou, admitindo que existiam alguns outros "ligados ao regime", embora desconheça nomes.

A este propósito, Sílvia Torres destacou que, no livro, entre outros capítulos, há um em que são entrevistados 18 jornalistas e militares, reformados ou no ativo, que participaram nos conflitos que Portugal enfrentou em Angola, Guiné e Moçambique.

"Claro que deveria haver (jornalistas ligados ao regime de António Oliveira Salazar), mas, se havia, nenhuma das pessoas que entrevistei identificou algum com essa ligação. Mas o que alguns dos entrevistados me disseram foi que não havia forma de ser contra. Havia o medo de perder o emprego, de ser preso pela PIDE e acabava-se um pouco por estar a favor do Governo. Mas não era por vontade, tinha de ser", disse.

"Em relação aos jornalistas da metrópole que iam para lá, aliás, mesmo em relação a todos, aquela guerra não fazia sentido, nem tão pouco escrever sobre ela. Daí que não haja assim tantas notícias sobre a guerra daquele tempo, havendo, porém, algumas exceções.

Uma delas é o caso de Fernando Farinha, cuja fotografia, fardado, é a capa do livro, um jornalista - cumpriu também o serviço militar obrigatório então vigente - que acompanhou os 13 anos de guerra, que publicou inúmeras reportagens sobre os três palcos do conflito.

Entre os entrevistados figuram nomes de jornalistas como Agostinho Azevedo, Armor Pires Mota, Baptista Bastos, Cesário Borga, David Borges, Fernando Dacosta, Fernando Correia, Francisco Pinto Balsemão, Joaquim Letria, José Manuel Barroso ou Maria Helena Saltão, e de Otelo Saraiva de Carvalho, um dos 'militares de abril'.

"Tentei incluir jornalistas da metrópole e das províncias ultramarinas, militares também, da rádio, televisão, imprensa (escrita) e depois também foi uma questão de espaço. Não os podia incluir todos. Mas também não há muitos mais. Sei de alguns nomes, mas enfim, já não há assim tanta gente", referiu.

Entre os depoimentos escritos estão também académicos, como Francisco Rui Cádima, Alberto Arons de Carvalho ou José Manuel Tengarrinha, militares, como novamente Otelo Saraiva de Carvalho, mas também Fontes Ramos e Aniceto Afonso, e jornalistas - Avelino Rodrigues, Joaquim Furtado ou Rodrigues Vaz.

"O livro é apenas um início. Olho para o livro e sei que falta aqui muita coisa. Sei que os testemunhos poderiam ser muito mais alongados e que outros jornalistas e militares poderiam ser entrevistados. É um começo, porque esta área não está estudada", salientou, indicando que a tese de doutoramento anda em torno da cobertura jornalística da Guerra Colonial na Imprensa de Angola, Guiné e Moçambique.

'O Jornalismo Português e a Guerra Colonial', publicado pela editora Guerra e Paz, é lançado hoje à tarde na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, em Lisboa, e será apresentado por Carlos de Matos Gomes, coronel do exército, e por Jacinto Godinho, jornalista.

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