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"Nunca precisámos tanto de poesia" como agora

A poesia "é a tradução dos sonhos" e, não contribuindo para o aumento da riqueza nacional, "nunca precisámos tanto de poesia", lê-se na mensagem da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), para o Dia Mundial da Poesia.

"Nunca precisámos tanto de poesia" como agora
Notícias ao Minuto

19:19 - 18/03/16 por Lusa

Cultura Dia Mundial

O Dia Mundial da Poesia é celebrado na próxima segunda-feira e a mensagem deste ano da SPA é assinada pelo jornalista Nicolau Santos, que afirma: "Sei que a poesia nunca será reduto só de uns, deixando à porta os refugiados da palavra. Não conheço o jardim onde nascem os poemas nem o cemitério onde se enterram os maus poetas".

"Nunca precisámos tanto de poesia", escreve, quando se "torturam as palavras" e se usam outras para se evitar falar em encerramentos de empresas e despedimentos. Precisamos da poesia, "para escapar à padronização que nos querem impor, para fintar o destino a que nos estão a acorrentar e para lhes provar que podem confiscar tudo, menos domar o nosso espírito".

"Sei que a poesia é a tradução dos sonhos, uns melhores, outros piores, uns excecionais, outros banais. O sonho da evasão, do impossível, do intangível. O sonho de podermos voar", escreve o jornalista, da equipa de direção do Expresso.

Na mensagem deste ano, entre outros poetas, Nicolau Santos cita Mário-Henrique Leiria, que afirmou que gostava de estar sentado numa nuvem a dar pontapés na Lua.

"É assim que devíamos viver a vida toda e não a calcular o PIB [Produto Interno Bruto], e o défice, e a dívida, e o 'quantitative easing', e as taxas de juro, e a taxa de desemprego, e a confiança dos investidores e dos consumidores, e a atividade empresarial".

"A poesia nunca entra nas reuniões da Comissão Europeia e do Eurogrupo e do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional", assevera Nicolau Santos, para quem estas instituições "torturam as palavras, tentam que [as palavras] abdiquem da poesia que está dentro delas, para que elas nos cheguem amaciadas, tranquilizadoras, anestesiantes, não vá termos algum sobressalto cívico e as coisas não correrem como eles querem".

"Depois -- prossegue o jornalista -, há muitas pessoas que vão às televisões dizer-nos palavras que têm outros significados. Falam-nos em reestruturação e querem dizer encerramentos de empresas, agências de bancos, serviços. Falam-nos em rescisões por mútuo acordo e querem dizer despedimentos. Falam-nos em racionalização dos serviços públicos e querem dizer que vamos ter menos apoios sociais e um Serviço Nacional de Saúde pior, por falta de meios. Falam-nos em resolução e é mais um banco que vamos ter de pagar. Falam-nos em procurar oportunidades de emprego e é para a emigração que nos estão a enviar".

"A Europa continua a fazer contas -- quem deve, quem empresta, quem paga -- enquanto os seus filhos têm fome e sono e medo do escuro", escreve, para a a seguir citar Filipa Leal: "Eu acreditei em ti/ e tu roubaste-me o futuro e o dos meus irmãos".

Nicolau Santos afirma que subscreve estas palavras da poetisa "e os poetas, todos os poetas subscrevem", pois "esta não é a Europa solidária sonhada pelos pais fundadores".

"Esta não é a Europa das luzes, da cultura, do progresso e da modernidade. Esta Europa é mesquinha e gerida por mangas de alpaca com dedos sujos da tinta, com que passam os cheques, e unhas compridas de avidez".

Logo, conclui, "nesta Europa não há espaço para sonhos, para a imaginação, para o indizível, o extraordinário, o intangível".

"A poesia não tem lugar à mesa. A poesia não traz qualquer mais-valia, nem faz subir os índices na bolsa, nem paga ordenados de luxo".

"Não há nenhum poeta que tenha ficado rico em termos materiais a escrever poesia. Ao contrário, há muitos poetas que morreram na miséria", escreve Nicolau Santos, que soma anos de jornalismo económico.

"A poesia não contribui para o aumento da riqueza nacional medida pelas estatísticas, mesmo que já tenha sido inventado o PIB, medido em termos da felicidade. Mas esse nunca entra nas contas dos credores, dos investidores, dos banqueiros, dos empresários, dos corretores, dos mercados".

No entanto, realça Nicolau Santos, "nunca precisámos tanto de poesia". "E, no entanto, a crise e o ajustamento e a austeridade e a troika e a subida de impostos e o corte de salários e a vida cada vez mais cara e difícil e o desemprego e a emigração e o péssimo futuro da Nação, nada, mas mesmo nada conseguiu impedir que a poesia renascesse por toda a parte. Há cada vez mais poesia e mais poetas".

"À medida que o PIB encolhe e a pobreza envergonhada aumenta, temos cada vez mais necessidade de poesia", lê-se no texto da SPA, justificando-se, em seguida, a razão: "Para dizer não aos mandantes, dizer não aos executantes dos mandantes, para escapar à padronização que nos querem impor, para fintar o destino a que nos estão a acorrentar e para lhes provar que podem confiscar tudo -- menos domar o nosso espírito, a nossa liberdade de criar, a nossa vontade de sonhar"

"Sim, eles têm tudo e nós só temos as mãos cheias de nada. Mas o que eles têm vale muito pouco, quando as palavras se juntam em torno da poesia. É essa rebeldia que eles temem, a rebeldia das palavras que não controlam, a rebeldia dos poemas que escapam para a rua e vão de casa em casa acordar a consciência de cada um, e dar-lhes esperança, e anseios, e vontade de mudar", declara o jornalista que encerra a mensagem citando Natália Correia.

"Apetece gritar-lhes muito alto, como fez Natália Correia: 'Ó subalimentados do sonho/ A poesia é para comer!'. Viva a Poesia!".

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