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Escolas e universidades "estão a descurar" a obra de Vergílio Ferreira

A escritora Lídia Jorge alertou hoje para o facto de a escola e a universidade estarem a descurar a obra do escritor Vergílio Ferreira, que "foi alguém que amou a literatura, acima de todas as outras coisas".

Escolas e universidades "estão a descurar" a obra de Vergílio Ferreira
Notícias ao Minuto

12:00 - 27/01/16 por Lusa

Cultura Entrevista

Todavia, disse a autora de "A noite das mulheres cantoras", no "mundo tal como está organizado, neste momento, é muito difícil recuperar figuras como [a de] Vergílio Ferreira", que considera "estarem um pouco afastadas", "injustamente".

Em declarações à Lusa, a propósito do centenário do nascimento do autor de "Vagão J", Lídia Jorge afirmou que "a escola e a universidade estão a descurar muito a obra de Vergílio, inclusive o romance 'Aparição', que é fundamental para os rapazes, entre os 16 e os 17 anos, que encontravam nessa obra uma grande projeção interior e aprendiam muito com esse livro, que desapareceu, e praticamente já não se lê".

"Está sendo uma perda muito grande. Do ponto de vista estilístico, [Vergílio Ferreira] é irrepreensível, ele tem humor na escrita, ele tem caricatura, por alguma coisa era um admirador do Eça de Queiroz. Não é um sarcástico, mas um irónico, ele ensina", rematou.

Referindo-se ao autor de "Alegria breve", Lídia Jorge disse que "foi um escritor, do ponto de vista deontológico, admirável. Independentemente de quem produzia os livros, ele gostava de livros e vivia no meio da batalha da literatura".

"Protagonizou, de uma forma muito forte, uma espécie de contenda que durou a segunda parte do século XX, entre uma literatura herdeira do Modernismo, de que ele foi um sucessor, com um romance psicológico e, ao mesmo tempo de tese, ao qual ele aliou os métodos do Modernismo, e, do outro lado, os neorrealistas e seus descendentes, com uma tendência mais coletivista, que depois a minha geração veio a ultrapassar", declarou.

"Os escritores da minha geração fizeram uma espécie de síntese dessas duas perspetivas que pareciam irreconciliáveis", acrescentou.

Foi um "homem intransigente, do ponto de vista ideológico e literário, consigo próprio, até ao último livro, já editado postumamente, 'Espaço invisível V', e até ao último romance, 'Cartas a Sandra'", frisou.

"Do ponto de vista ideológico, era um antimarxista. Ele considera que a liberdade pessoal e a liberdade de interior eram superiores a tudo", disse a escritora, sobre o autor que analisou a fenomenologia de Jean-Paul Sartre em "O existencialismo é um humanismo".

Lídia Jorge, aliás, lembra a obra de Vergilio Ferreira "Invocação ao meu corpo", que apontou "o cúmulo desse encómio que ele fazia à solidão do homem, o homem como ser solitário com um destino individualizado".

"Ele nunca deixou de ser um herdeiro do existencialismo, mas mais junto de Malraux, não da face marxista". Neste sentido, a escritora referiu as obras "Pensar" e "Escrever".

"Até ao fim [Vergílio Ferreira] manteve o desejo e o orgulho de ser homem, uma espécie de rival de uma divindade em que ele não acreditava", rematou a autora, que foi sua amiga, e que reconheceu que o autor "foi decisivo" na sua vida.

"Ele foi muito, muito importante e há sentimentos muito fortes que me unem a Vergílio Ferreira", afirmou a escritora que, no ano passado, recebeu o Prémio Vergílio Ferreira, da Universidade de Évora.

Sobre o autor de "Interrogação ao Destino, Malraux", Lídia Jorge contou que ele esperava sempre obras dos novos escritores, "para perceber o que seria o futuro".

"Podia até não gostar, mas lia e estava sempre atento aos novos escritores", disse a autora, recordando que Vergílio Ferreira foi o primeiro que a reconheceu como seu par.

"Fui muito amiga de Vergílio Ferreira, que foi um escritor que me acompanhou, aquele que primeiro escreveu sobre [o romance] 'O dia dos prodígios', quando ainda nem sequer estava publicado", contou a autora de "O cais das merendas" à agência Lusa.

"Foi o primeiro escritor a reconhecer-me como seu par, o que me deu uma alegria enorme, como se pode imaginar", recordou Lídia Jorge, autora de "Os Memoráveis", referindo que Vergílio Ferreira foi quem a apadrinhou na literatura.

"Foi aquele que me incentivou, aquele que me reconheceu", sublinhou.

"Era um homem aberto ao futuro, um leitor sólido, foi alguém que partiu à espera do dia seguinte", afirmou.

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